Quando fui convidada pra escrever sobre dominação feminina,
pensei que seria simples colocar no papel a minha experiência de vinte e um anos
como domme. Entretanto, quanto mais eu pensava sobre as minhas vivências,
quanto mais revivia lembranças, mais eu encontrava dificuldades em dar o “start”
neste texto.
FEMDOM (do inglês “female domination”) é a vertente do BDSM
em que o dominante (TOP) é a mulher, podendo ter homens ou mulheres como
bottoms. Para falar sobre dominação e supremacia feminina, devo fazer uma breve
introdução histórica sobre o papel da mulher na sociedade, machista e
patricarcal, em que vivemos.
Já faz parte do senso comum que a mulher deve ser ensinada
desde bem cedo, a servir e obeceder. De algumas décadas pra cá, após o advento
do movimento feminista e a famosa queima dos soutiens, a mulher tem brigado
contra esses estereótipos e conquistado o direito de ser vista não mais como um
objeto de desejo masculino, mas como um semelhante, dono das suas escolhas, com
direitos sobre seu corpo e com a prerrogativa em dizer “não”. Mas embora
tenhamos uma mudança importante de panorama, em tese, na prática essas
peculiaridades da relação homem-mulher ainda são fortemente arraigadas a
valores coloniais. O mercado de trabalho ainda paga menos às mulheres que
ocupam os mesmos cargos que os homens, as mulheres ainda são julgadas pela sua
forma de se vestir, por estarem sentadas em um bar rodeada de amigos homens,
como se isso fosse um sinal verde pro sexo. Não sou poucas as vezes que ainda
ouvimos a respeito das vítimas de estupro “mas vc viu o tamanho da saia que ela
estava usando?”.
Na contramão desses conceitos, existem mulheres que mesmo sem
qualquer relação com o BDSM, são dominantes. São aquelas que sabem impor seus
pontos de vista, que conduzem as relações, que são irresistivelmente sedutoras
sem serem promíscuas ou vulgares, simplesmente porque não precisam usar o sexo
como arma. São mulheres seguras de si, do seu valor, do seu poder, sem as
neuroses de baixa auto estima. São, mulheres, pura e simplesmente, que não têm
medo da fogueira, que não escondem a sua natureza forte e sensível, firme e
doce.
Em termos de BDSM, temos diversos tipos de dominantes
femininas. A nomenclatura FEMDOM é extensa e existe em diversos sites sobre
o assunto. Segue abaixo um resumo básico:
Deusa
É uma Dominadora que gosta de adoração. A TOP se torna, nesse contexto, o objeto de
veneração, física, psicológica e até espiritual, por parte do bottom.
Dominadora
O termo está associado à TOP feminina não-sádica. Refere-se diretamente a relações D/s (dominação e submissão). O termo está associado a jogos de controle. A Dominadora gosta
de controlar aspectos físicos e emocionais e sociais da vida do dominado.
Dominatrix ou Pró-Domme
É uma Dominadora profissional. Normalmente uma taxa é cobrada por sessão, mas em alguns casos os valores são
estipulados por período. Há muitas controvérsias sobre a dominação profissional estar ou não ligada à prostituição, visto que muitas garotas de programa são pagas para desempenhar o papel de dominadora por seus clientes, porém, em tese a dominação profissional envolve erotismo,e não sexo propriamente dito.
Domme
É uma Dominadora que gosta de práticas sádicas e que mescla o uso de jogos psicológicos e o ato de infligir dor e sofrimento. Está associado
diretamente ao sadomasoquismo.
Mistress
Possui profundo conhecimento prático e teórico sobre o BDSM.
É uma estudiosa dos fetiches, mesmo os que não estão entre suas preferências. O
título mestra não se aplica somente às conhecedoras da teoria, mas àquelas que
desejam passar seu conhecimento adiante.
Mommy
É a TOP que nutre cuidado parental pelo seu bottom. Suas práticas estão diretamente ligadas ao infantilismo (little) , não tendo envolvimento ou fetiches associados à incesto e pedofilia.
Rainha
É uma Dominadora que gosta de adoração dos pés e aos seus
pés. Sua essência está ligada diretamente à podolatria. Práticas como
trampling, crushing e footjob estão associadas a esse título.
Sádica
TOP que sente prazer na dor do BOTTOM. Esse tipo de TOP não envolve jogos de poder em suas sessões, apenas se atém ao ato de infligir dor (de forma segura e sadia), o que as diferencia das Dommes, cujas práticas sadomasoquistas se aliam ao controle.
As bases psicológicas da
dominação feminina estão relacionadas fundamentalmente a dois cenários: a
natureza da mulher, no caso daquelas que “nascem” dominantes, e a história
pessoa de cada uma. Existem mulheres, como mencionadas acima, que mesmo sem
qualquer relação com o BDSM tem a essência dominante e isso pode ser
direcionado, ao longo dos anos, do desenvolvimento de gostos e fetiches, a uma
relação D/s. Contudo, existe um outro grupo, que sofre uma mudança de
comportamento, em virtude de relacionamentos “baunilha”, e acaba por descobrir
uma maior satisfação em ser o parceiro dominante. Nesse caso, teço algumas
considerações sobre o que tenho visto no cenário BDSM ultimamente, sobre
mulheres que foram levadas, não por opção, mas por sofrimento, a se assumirem
como dominantes como forma de se sentirem mais protegidas, de não sofrerem
abusos ou agressões.
Tenho observado com certa
tristeza um aumento de mulheres dominantes que querem se vingar dos homens que
as magoaram ou humilharam, e estas, são péssimas dominantes porque são
incapazes com compreender que uma relação D/s envolve afeto, cuidado, atenção…
Essas mulheres querem humilhar e agredir sistematicamente aos homens, não
obtendo qualquer prazer na entrega do submisso, antes, seu prazer está
diretamente ligado à ação de reviver o que foi feito com elas e despejar no
outro suas frustrações.
Existem ainda as dominantes que
exploram financeiramente os submissos, mesmo que não vivam uma relação de “money
slavery”. Estão inseridas nesta categoria, mulheres de carater duvidoso e
oportunistas, que nada sabem sobre BDSM e o que constitui uma relação D/s. Geralmente
se dizem dominadoras, e convencem aos bottoms iniciantes que este comportamente
é perfeitamente normal e aceitável, quando está muito longe disso.
Excetuando esses casos que na
verdade não são FEMDOM, falo sobre a minha experiência como Domme. Dominar pra
mim, é um ato de receber nas mãos a essência de uma jóia rara. Ao contrário do
que leio e vejo por aí, os submissos não são fracos, vermes inúteis e tampouco
lixo. É preciso ser um homem muito forte pra abrir mão do que preconiza uma
sociedade inteira e se entregar, de livre e espontânea vontade, nas mãos de uma
mulher que vai subjugá-lo. É preciso muita empatia para ser um bom dominador,
enxergar a entrega pelos olhos do submisso e entender que dar-se inteiramente a
alguém envolve abrir mão de muita coisa. Ser um dominador de verdade significa
ter a consciência de que você é responsável pela integridade física e emocional
de outra pessoa, porque é extremamente fácil empunhar um chicote e bater, mas
não é tão simples receber os açoites e agradecer por eles.
O meu olhar sobre a dominação
feminina é um olhar de parcimônia. Eu nunca deixo de ter em mente que eu sou
uma mulher, e portanto, biologicamente mais frágil que um homem. Todo o poder
que eu exerço sobre ele é a custa de um trabalho de reconhecimento, de
sensibilidade e de interação. Não funciona pra mim, conhecer um submisso hoje e
ir pra uma sessão com ele amanhã… Eu preciso conhecer aquele que estará nas
minhas mãos, que vai ser açoitado, humilhado, imergido em dor, angústia e
sofrimento, porque sou eu quem vou dar a ele a redenção sobre tudo isso. Vejo com
muita desconfiança a frágil construção das relações D/s em tempos de redes
sociais. Comecei a dominar num tempo em que as pessoas se comunicavam por
cartas, que os encontros eram olho no olho, em grupos muito seletos de pessoas
que sabiam exatamente o que estavam indo buscar. Hoje, o BDSM se resumiu,
infelizmente, a um sexo fácil, liberal e com algumas palmadas, mas
definitivamente, isso não é dominar.
Quando vou para uma sessão com
um submisso, analiso cuidadosamente o ambiente e preparo a cena, pra tornar
aquilo a atmosfera de sedução e poder na qual eu sou a dominante. Apago a luz,
acendo as velas, o incenso e coloco música. Nunca deixo o submisso ver os
acessórios que serão utilizados na sessão porque a ansiedade e a incerteza fazem
parte do jogo psicológico. Todos os limites do submisso já estão registrados em
mim, de forma que, na hora em que a porta se fecha, sou eu quem mando e não há
nada mais a ser discutido. Domino com maestria, por levar o meu bottom ao
estado de total entrega e dependência do qual eu, e apenas eu consigo tirá-lo
depois. Domino com sensualidade, explorando o corpo do submisso, para
proporcionar prazer que se retroalimenta em uma entrega ainda maior.
Estados psicológicos como o
subdrop e subspace são realidades e devem ser considerados. É importante que o
dominante, seja homem ou mulher, saiba reconhecê-los e esteja preparado pra
atuar nesses momentos. Um aftercare bem feito é indispensável. No meu momento
pós sessão, acolho os meninos no meu colo, beijo, acaricio sem qualquer
conotação sexual. É o momento do abraço, de deixar rolar as lágrimas ou de
ficar no silêncio absoluto, e como isso varia muito de pessoa a pessoa, reforça
ainda mais a minha ideia sobre conhecer a peça que está sob o seu comando.
Relações de dominação feminina
não tem o sexo como componente principal. Geralmente, acontecem brincadeiras sexuais
entre TOP e bottom q não culminam necessariamente com a penetração, pois o ato
de penetrar, que subliminarmente, está envolvido com a supremacia masculina, e
uma relação FEMDOM insipiente pode ficar desgastada sob esse aspecto. É preciso
ter domínio total e irrestrito da peça para que a mulher não se coloque, mesmo
que momentaneamente, num estado de fragilidade frente ao seu submisso.
Finalizo este texto (enorme),
dizendo que sou dominante por natureza, escolha e vocação. Subjugar um homem e
colocá-lo aos meus pés é um dos meus maiores prazeres. O cheiro, o gosto, a
respiração ofegante, o desejo que arrepia os pêlos e seca a boca, são nuances
puramente poéticas, pra mim. As lágrimas submissas, são o meu lago preferido, e
a imagem do submisso, ajoelhado aos meus pés e agarrado as minhas pernas,o
quadro mais belo que eu aprendi a pintar.