domingo, 26 de outubro de 2014

Despedidas e recomeços

Se existe um momento desagradável na vida é o momento de se despedir de alguém. Despedidas nunca são boas, por que levam com elas as histórias, os sabores, as lembranças, os sorrisos... Não existe nada que possa amenizar a dor de uma despedida, porque elas nunca são voluntárias. E a gente não tá preparado nunca pra abrir mão de nada nem de ninguém.

Nem sempre  o que motiva uma despedida é trágico. Muitas vezes, elas simplesmente precisam acontecer. Fazem parte dos muitos ciclos da vida, que se fecham pra que novos ciclos possam começar, pra que a gente tenha coragem de dar um passo a frente, sair da nossa zona de conforto, se jogar de cabeça em algo que parece improvável, perceber novas cores, ouvir novas músicas, deixar os braços abertos pra receber um abraço novo.

Faz tempo q estou me preparando pra uma despedida... Despedida de alguém que foi responsável por uma mudança de 180 graus na minha vida. Alguém que me trouxe de volta, alguém que permeou meus pensamentos e minhas vontades por mais de um ano. Mas a vida, ah, a vida, andou se encarregando de promover essa despedida, e por mais força que eu tenha no chicote, a força dela é muito maior. Não tem o que eu possa fazer contra essa força chamada vontade. Quando ela não existe mais, todo o resto, por mais colorido que já tenha sido um dia, perde a cor. 

Eu poderia parafrasear milhares de autores que já falaram das dores de uma despedida, mas eu prefiro, agora, citar a Pitty, quando ela diz "Você está saindo da minha vida e parece que vai demorar". Isso parece uma sentença amarga, como uma morte lenta, uma tristeza que nunca vai embora, mas lá na frente ela diz "que essa abstinência uma hora vai passar." E passa. Sempre passa, e se eu me conheço bem, nesses 38 anos que convivo comigo, eu não curto essa dor por muito tempo. 

Viver pra mim, tem sabor de descoberta. Não tenho medo de me jogar e me ralar toda, nunca tive. E a arte de dominar, pessoas e emoções, eu conheço muito bem. Não me escravizo, não me puno. Eu vivo. E tudo o que eu vivi valeu a pena, mas ainda há muito, muito pra ser vivido. 

E não é que nessa de viver a gente acaba descobrindo que logo ali, no fim do túnel, a luz brilha mais forte do que aqui dentro? É uma escolha, o preto-e-branco, o amargo, o vazio, ou as cores,intensas e fortes, a doçura e a sensação de plenitude. Como eu nunca sou morna, eu escolho o meu sangue em ebulição. Escolho jogar esse jogo perigoso e excitante, mais uma vez. Brincar de roleta-russa. Escolho a carne trêmula, o frio na barriga, a visão do homem que eu quero, de joelhos, entregue, exausto e MEU.

Entre todas as escolhas que eu poderia fazer agora, eu escolho ser a Domme. Eu escolho, definitivamente, ser Morgana. Essa mesma Morgana que, por anos adormecida, acordou com uma sede que nunca foi saciada. A Domme sádica e doce, cruel e piedosa. A mulher que é forte o suficiente pra machucar mas sensível a ponto de por no colo. A dominadora que empunha o chicote e a palmatória com a mesma maestria que cura qualquer dor. Aquela que é capaz de provocar sofrimento e, ao mesmo tempo, levar ao êxtase com os lábios mais doces e as mãos mais hábeis, excitando, provocando e se derramando em prazer.

Essa é a Domme. Essa é a mulher. Essa sou eu, com o perfume mais enebriante de todos. 

Perfume de Morgana.





quinta-feira, 16 de outubro de 2014

FEMDOM - Dominação feminina


Quando fui convidada pra escrever sobre dominação feminina, pensei que seria simples colocar no papel a minha experiência de vinte e um anos como domme. Entretanto, quanto mais eu pensava sobre as minhas vivências, quanto mais revivia lembranças, mais eu encontrava dificuldades em dar o “start” neste texto.

FEMDOM (do inglês “female domination”) é a vertente do BDSM em que o dominante (TOP) é a mulher, podendo ter homens ou mulheres como bottoms. Para falar sobre dominação e supremacia feminina, devo fazer uma breve introdução histórica sobre o papel da mulher na sociedade, machista e patricarcal, em que vivemos.

Já faz parte do senso comum que a mulher deve ser ensinada desde bem cedo, a servir e obeceder. De algumas décadas pra cá, após o advento do movimento feminista e a famosa queima dos soutiens, a mulher tem brigado contra esses estereótipos e conquistado o direito de ser vista não mais como um objeto de desejo masculino, mas como um semelhante, dono das suas escolhas, com direitos sobre seu corpo e com a prerrogativa em dizer “não”. Mas embora tenhamos uma mudança importante de panorama, em tese, na prática essas peculiaridades da relação homem-mulher ainda são fortemente arraigadas a valores coloniais. O mercado de trabalho ainda paga menos às mulheres que ocupam os mesmos cargos que os homens, as mulheres ainda são julgadas pela sua forma de se vestir, por estarem sentadas em um bar rodeada de amigos homens, como se isso fosse um sinal verde pro sexo. Não sou poucas as vezes que ainda ouvimos a respeito das vítimas de estupro “mas vc viu o tamanho da saia que ela estava usando?”.

Na contramão desses conceitos, existem mulheres que mesmo sem qualquer relação com o BDSM, são dominantes. São aquelas que sabem impor seus pontos de vista, que conduzem as relações, que são irresistivelmente sedutoras sem serem promíscuas ou vulgares, simplesmente porque não precisam usar o sexo como arma. São mulheres seguras de si, do seu valor, do seu poder, sem as neuroses de baixa auto estima. São, mulheres, pura e simplesmente, que não têm medo da fogueira, que não escondem a sua natureza forte e sensível, firme e doce.

Em termos de BDSM, temos diversos tipos de dominantes femininas. A nomenclatura FEMDOM é extensa e existe em diversos sites sobre o assunto. Segue abaixo um resumo básico:

Deusa
É uma Dominadora que gosta de adoração. A TOP se torna, nesse contexto, o objeto de veneração, física, psicológica e até espiritual, por parte do bottom.

Dominadora
O termo está associado à TOP feminina não-sádica. Refere-se diretamente a relações D/s (dominação e submissão). O termo está associado a jogos de controle. A Dominadora gosta de controlar aspectos físicos e emocionais e sociais da vida do dominado.
Dominatrix ou Pró-Domme
É uma Dominadora profissional. Normalmente uma taxa é cobrada por sessão, mas em alguns casos os valores são estipulados por período. Há muitas controvérsias sobre a dominação profissional estar ou não ligada à prostituição, visto que muitas garotas de programa são pagas para desempenhar o papel de dominadora por seus clientes, porém, em tese a dominação profissional envolve erotismo,e não sexo propriamente dito.

Domme
É uma Dominadora que gosta de práticas sádicas e que mescla o uso de jogos psicológicos e o ato de infligir dor e sofrimento. Está associado diretamente ao sadomasoquismo.

Mistress
Possui profundo conhecimento prático e teórico sobre o BDSM. É uma estudiosa dos fetiches, mesmo os que não estão entre suas preferências. O título mestra não se aplica somente às conhecedoras da teoria, mas àquelas que desejam passar seu conhecimento adiante.

Mommy

É a TOP que nutre cuidado parental pelo seu bottom. Suas práticas estão diretamente ligadas ao infantilismo (little) , não tendo envolvimento ou fetiches associados à incesto e pedofilia.

Rainha
É uma Dominadora que gosta de adoração dos pés e aos seus pés. Sua essência está ligada diretamente à podolatria. Práticas como trampling, crushing e footjob estão associadas a esse título.

Sádica
TOP que sente prazer na dor do BOTTOM. Esse tipo de TOP não envolve jogos de poder em suas sessões, apenas se atém ao ato de infligir dor (de forma segura e sadia), o que as diferencia das Dommes, cujas práticas sadomasoquistas se aliam ao controle.


As bases psicológicas da dominação feminina estão relacionadas fundamentalmente a dois cenários: a natureza da mulher, no caso daquelas que “nascem” dominantes, e a história pessoa de cada uma. Existem mulheres, como mencionadas acima, que mesmo sem qualquer relação com o BDSM tem a essência dominante e isso pode ser direcionado, ao longo dos anos, do desenvolvimento de gostos e fetiches, a uma relação D/s. Contudo, existe um outro grupo, que sofre uma mudança de comportamento, em virtude de relacionamentos “baunilha”, e acaba por descobrir uma maior satisfação em ser o parceiro dominante. Nesse caso, teço algumas considerações sobre o que tenho visto no cenário BDSM ultimamente, sobre mulheres que foram levadas, não por opção, mas por sofrimento, a se assumirem como dominantes como forma de se sentirem mais protegidas, de não sofrerem abusos ou agressões.

Tenho observado com certa tristeza um aumento de mulheres dominantes que querem se vingar dos homens que as magoaram ou humilharam, e estas, são péssimas dominantes porque são incapazes com compreender que uma relação D/s envolve afeto, cuidado, atenção… Essas mulheres querem humilhar e agredir sistematicamente aos homens, não obtendo qualquer prazer na entrega do submisso, antes, seu prazer está diretamente ligado à ação de reviver o que foi feito com elas e despejar no outro suas frustrações.

Existem ainda as dominantes que exploram financeiramente os submissos, mesmo que não vivam uma relação de “money slavery”. Estão inseridas nesta categoria, mulheres de carater duvidoso e oportunistas, que nada sabem sobre BDSM e o que constitui uma relação D/s. Geralmente se dizem dominadoras, e convencem aos bottoms iniciantes que este comportamente é perfeitamente normal e aceitável, quando está muito longe disso.
Excetuando esses casos que na verdade não são FEMDOM, falo sobre a minha experiência como Domme. Dominar pra mim, é um ato de receber nas mãos a essência de uma jóia rara. Ao contrário do que leio e vejo por aí, os submissos não são fracos, vermes inúteis e tampouco lixo. É preciso ser um homem muito forte pra abrir mão do que preconiza uma sociedade inteira e se entregar, de livre e espontânea vontade, nas mãos de uma mulher que vai subjugá-lo. É preciso muita empatia para ser um bom dominador, enxergar a entrega pelos olhos do submisso e entender que dar-se inteiramente a alguém envolve abrir mão de muita coisa. Ser um dominador de verdade significa ter a consciência de que você é responsável pela integridade física e emocional de outra pessoa, porque é extremamente fácil empunhar um chicote e bater, mas não é tão simples receber os açoites e agradecer por eles.

O meu olhar sobre a dominação feminina é um olhar de parcimônia. Eu nunca deixo de ter em mente que eu sou uma mulher, e portanto, biologicamente mais frágil que um homem. Todo o poder que eu exerço sobre ele é a custa de um trabalho de reconhecimento, de sensibilidade e de interação. Não funciona pra mim, conhecer um submisso hoje e ir pra uma sessão com ele amanhã… Eu preciso conhecer aquele que estará nas minhas mãos, que vai ser açoitado, humilhado, imergido em dor, angústia e sofrimento, porque sou eu quem vou dar a ele a redenção sobre tudo isso. Vejo com muita desconfiança a frágil construção das relações D/s em tempos de redes sociais. Comecei a dominar num tempo em que as pessoas se comunicavam por cartas, que os encontros eram olho no olho, em grupos muito seletos de pessoas que sabiam exatamente o que estavam indo buscar. Hoje, o BDSM se resumiu, infelizmente, a um sexo fácil, liberal e com algumas palmadas, mas definitivamente, isso não é dominar.

Quando vou para uma sessão com um submisso, analiso cuidadosamente o ambiente e preparo a cena, pra tornar aquilo a atmosfera de sedução e poder na qual eu sou a dominante. Apago a luz, acendo as velas, o incenso e coloco música. Nunca deixo o submisso ver os acessórios que serão utilizados na sessão porque a ansiedade e a incerteza fazem parte do jogo psicológico. Todos os limites do submisso já estão registrados em mim, de forma que, na hora em que a porta se fecha, sou eu quem mando e não há nada mais a ser discutido. Domino com maestria, por levar o meu bottom ao estado de total entrega e dependência do qual eu, e apenas eu consigo tirá-lo depois. Domino com sensualidade, explorando o corpo do submisso, para proporcionar prazer que se retroalimenta em uma entrega ainda maior.

Estados psicológicos como o subdrop e subspace são realidades e devem ser considerados. É importante que o dominante, seja homem ou mulher, saiba reconhecê-los e esteja preparado pra atuar nesses momentos. Um aftercare bem feito é indispensável. No meu momento pós sessão, acolho os meninos no meu colo, beijo, acaricio sem qualquer conotação sexual. É o momento do abraço, de deixar rolar as lágrimas ou de ficar no silêncio absoluto, e como isso varia muito de pessoa a pessoa, reforça ainda mais a minha ideia sobre conhecer a peça que está sob o seu comando.

Relações de dominação feminina não tem o sexo como componente principal. Geralmente, acontecem brincadeiras sexuais entre TOP e bottom q não culminam necessariamente com a penetração, pois o ato de penetrar, que subliminarmente, está envolvido com a supremacia masculina, e uma relação FEMDOM insipiente pode ficar desgastada sob esse aspecto. É preciso ter domínio total e irrestrito da peça para que a mulher não se coloque, mesmo que momentaneamente, num estado de fragilidade frente ao seu submisso.

Finalizo este texto (enorme), dizendo que sou dominante por natureza, escolha e vocação. Subjugar um homem e colocá-lo aos meus pés é um dos meus maiores prazeres. O cheiro, o gosto, a respiração ofegante, o desejo que arrepia os pêlos e seca a boca, são nuances puramente poéticas, pra mim. As lágrimas submissas, são o meu lago preferido, e a imagem do submisso, ajoelhado aos meus pés e agarrado as minhas pernas,o quadro mais belo que eu aprendi a pintar.






segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Da dor ao prazer

Sinta a dor
Alimente-se dela
Deixe-a dominar-te até 
O limite do insuportável

Sinta a dor
E se entregue a mim
Como se eu fosse o seu senhor
Perca a noção das horas
Dos dogmas e de pertencimento

Sinta a dor
Flagele-se diante do espelho
Enquanto observo atentamente os teus gestos,
Brinque com o que os ditos decentes
Temem admitir

Sinta o que advém da dor
Entre em êxtase
Com esse prazer intenso,
Que a séculos é dito como sujo, torpe...
Saborei-o como um bom vinho.
Deixe se corromper
Afinal, és simplesmente
O que queres ser.

Sinta a dor
E divida as nuances deste sentimento.
Exercite sua cumplicidade.
Estenda as mãos a mim,
Mostre sua devoção.

Sinta as dores do amor
Não convencional,
Da paixão execrada pelos folhetins,
Do amor vivido
Nos porões da existência

Sinta a dor
E que a marca do seu suplício
Seja o teu troféu.
Se entregue,
Já que és assim
E nem imaginávamos.
Sinta a dor...