Segurança é um dos pilares mais sólidos do BDSM. Está presente em todas as bases,
direta (como no SSC e no SSS) e indiretamente (como no RACK, PRICK, PCRM, RISSCK –
assumir o risco também envolve segurança).
Vemos um crescente número de simpatizantes e praticantes do BDSM, em parte pelo
“boom” de trilogias eróticas com elementos de dominação e submissão, pessoas em
busca de novos prazeres, de apimentar sua vida sexual ou ainda, aqueles que estão aos
poucos aceitando, entendendo e vivenciando seus fetiches.
Embora o texto a seguir seja direcionado aos iniciantes, creio que pode contribuir com
todos os praticantes, pois em termos de segurança, os mais suscetíveis a erros são os
extremos: os inexperientes, por falta de conhecimento, e os experientes, por
negligenciar o dano. É o famoso “faço isso há anos e nunca deu errado”. Mas um dia,
pode dar.
TOPS e bottoms têm a obrigação de zelar por sua segurança. Embora o TOP seja o
“designer” e condutor da sessão, é obrigação do bottom relatar quaisquer patologias e
dificuldades ANTES da sessão. O TOP precisa saber se suas práticas serão limitadas por
problemas cardíacos, alergias, doenças respiratórias, diabetes, problema de
coagulação, cicatrização e circulatórios, por motivos óbvios. Um bottom que tenha
problemas de coagulação, cicatrização e diabetes, por exemplo, não pode ser
submetido a sessões de cutting. Tromboses e flebites, ou até mesmo varizes mais
complicadas impedem que o bottom seja mantido imobilizado e na mesma posição
por muito tempo. Alergias podem ser cruciais numa cena de wax play (velas), e os
problemas cardíacos, diretamente ligados a stress e aumento da pressão arterial,
podem ter uma crise desencadeada por uma sessão de spanking, por exemplo. Até em
uma sessão que exista a ingestão de alimentos, pois diversas pessoas são alérgicas.
Pretendo aqui, fazer um passeio pelas práticas, das mais simples às mais complexas,
traçando um paralelo com algumas “dicas” de segurança, fundamentais pra uma
sessão perfeita e sem prejuízo à saúde do bottom. O bem estar do bottom reflete
diretamente na qualidade da relação, e no desenvolvimento dela. Não se pode
negligenciar cuidados antes, durante e após a sessão, e o objetivo deste artigo é
simplificar e demonstrar que vc não precisa ser um profissional da área de saúde, nem
um arquiteto ou engenheiro pra fazer as coisas darem certo.
A primeira regra de segurança em uma sessão é o estabelecimento da “safeword”, a
palavra de segurança. A safe deve ser verbal, com o uso de uma palavra que não
remeta a NADA do que está envolvido numa sessão. Não adianta o bottom no
momento de um spanking, por exemplo, dizer “Chega”, “Pare”. Isso pode ser
facilmente e interpretado pelo TOP como um estímulo, como parte do jogo, e levá-lo a
aumentar a intensidade dos golpes. Vejo o uso de palavras corriqueiras, nomes de
objetos ou alimentos utilizados como safeword, como “feijão”, “abajur”, “casa”,
“morango”. Estas palavras tiram o TOP imediatamente da atmosfera da sessão e o
trazem pra realidade de que deve parar imediatamente.
Outro tipo de safeword é a gestual. Esta é utilizada quando o bottom está impedido de
falar, durante o uso de mordaças ou outros dispositivos de supressão da voz. Deve-se
combinar previamente um movimento, ou gesto, que demonstre ao TOP a
necessidade de interromper aquela prática. Há ainda casos em que o bottom está
amordaçado e restrito, e nesses casos, há que se contar apenas com a experiência do
TOP e com a interação do casal. Não é aconselhado privação de sentidos associada a
bondage a quem não tem experiência, ou que ainda não conhece profundamente a
sua peça.
O segundo ponto que deve ser abordado com relação à segurança, diz respeito a um
conceito quase óbvio: a higiene. Especialmente direcionado aos praticantes mais
extremos, como os adeptos de blood play (prática que envolve cortes, suturas e
perfurações), a higiene não pode NUNCA ser negligenciada.
A limpeza e assepsia da pele que será submetida a essa prática é fundamental pra
minimizar o risco de infecções. Limpeza prévia da pele com álcool 70%, e desinfecção
do material a ser utilizado, de preferência com solução de hipoclorito de sódio 10-15%
por quinze minutos, além da utilização de lâminas e agulhas estéreis. Em tempos de
HIV e hepatite, além de diversas doenças transmitidas pelo contato com sangue
contaminado, cuidado nunca é demais. Uso de luvas descartáveis pelo TOP também é
um ponto que merece ser lembrado. E a vigilância constante dos exames de sangue do
seu bottom!
A inserção de catéteres uretrais, além de exigir destreza do TOP, exige um cuidado
ainda mais apurado da região genital. E na hora do fisting, seja anal ou vaginal, não se
deve esquecer que as mãos devem estar limpas, e para TOPS de bottoms femininas,
lembrar sempre que a mão que penetra o ânus não deve penetrar a vagina, por ser
potencial carreador de microrganismos infecciosos que podem causar doenças capazes
de levar sua menina à esterilidade. E por fim, a limpeza dos brinquedos sexuais deve
ser cuidadosa. Existem microrganismos resistentes que podem permanecer viáveis por
dias, e no caso de compartilhamento de brinquedos, o risco de uma DST não deve ser
descartado.
Lembrar que todo material descartável como agulhas, cateteres e outros devem ser
descartados se forma segura e de acordo com os padrões de higiene recomendados.
JAMAIS JOGUE AGULHAS OU CATETERES DIRETAMENTE NO LIXO. Use as caixas que
podem ser encontradas nos distribuidores de produtos médico-hospitalares e
descarte-as apropriadamente.
Atenção para o uso de plugs e demais objetos inseridos no ânus. Por conta do vácuo
que se cria nessa região, estes dispositivos devem ter sempre a base mais larga para
evitar que sejam “sugados” para a região interna, podendo causar obstrução retal e
maiores complicações.
Práticas que envolvam excreções, como scat (fezes) e chuva dourada (urina), merecem
atenção sob o aspecto biológico da questão. Os praticantes devem ter em mente que
as fezes são potenciais carreadores de parasitas intestinais, que podem ser
transmitidos pela ingestão, provocando parasitoses que podem promover quadros
intestinais ou até mesmo cerebrais. A urina, por sua vez, é constituída de compostos
extremamente tóxicos, como uréia e amônia, que ao contrário do que já vi em muitos
lugares, não são “diluídos” com a ingestão de maiores quantidades de água pelo TOP.
Para os praticantes de bondage, a atenção deve estar voltada para a circulação. Não se
esqueça que o bottom vai se contorcer, e as cordas, se não atadas corretamente vão
comprimir a circulação. Deve-se ter um cuidado redobrado com as articulações. Evitar
colocar pressão sobre cotovelos, ombros, tornozelos, e em caso de posições que
amarram os braços pra trás, especialmente se o bottom estiver deitado, observar
atentamente o ritmo respiratório. Essas posições costumam comprimir os pulmões e
dificultar a respiração, podendo levar a um quadro de asfixia.
Se por alguma razão houver a necessidade de interrupção imediata da imobilização,
tenha sempre a mão uma tesoura, SEM PONTA (Daquelas utilizadas para o corte de
ataduras e gesso). Uso de facas, canivetes e outros instrumentos perfurocortantes no
momento em que seu bottom está se debatendo por falta de ar ou com as
extremidades roxas por falta de circulação, pode ocasionar um desastre sem
precedentes. Vale lembrar que a corda deve ter uma folga na amarração onde o top
seja capaz de colocar um dedo ou dois com facilidade.
Nota para os bottoms: relate IMEDIATAMENTE ao seu TOP se vc sentir qualquer
formigamento ou dormência, para que ele possa interromper a imobilização.
A asfixia erótica ou autoerótica é uma das práticas mais perigosas no BDSM. A pressão
sobre a traquéia e artérias próximas pode levar a morte ou provocar danos graves. O
grande problema está no limite tênue entre prazer e baixa oxigenação cerebral, e no
curto tempo em que esse limite pode ser rompido. Isso vale mais uma vez para as
posições que envolvem imobilização de bruços. Ainda sobre asfixia, muito cuidado ao
inserir objetos na boca do bottom, que podem ser engolidos e dificultar ou impedir a
respiração.
Um outro ponto importante sobre imobilização, é que o TOP não deve, JAMAIS, deixar
seu bottom sozinho. Uma pessoa amarrada está vulnerável e não poderá socorrer a si
própria em caso de prejuízo circulatório ou respiratório. Assim como o bottom, o TOP
deve se precaver de quando esta fazendo uma cena de total imobilização do bottom
ou mesmo suspensão deste, deve ter um failsafe. Alguém de confiança que ligue de
tempos em tempos para saber se tudo está bem. Pois se acontecer algo com o TOP o
bottom não poderá fazer nada estando totalmente imobilizado ou até suspenso.
Clamps (ou grampos), são acessórios que podem provocar muito prazer,
especialmente nos bottoms masoquistas, por provocarem dor intensa e aguda. Porém,
não devem ser usados por um longo período de tempo por conta da interrupção da
circulação nos locais em que são aplicados.
Nota sobre os bottoms masoquistas: Por terem maior resistência e muito prazer com a
dor, geralmente têm seus limiares muito altos, e cabe ao TOP determinar o fim de uma
prática, no momento em que é percebido qualquer risco imediato ou futuro para sua
segurança e saúde.
Nada mais usual no BDSM que o spanking, certo? Aquela sensação maravilhosa de dar
e receber tapas, açoites, castigos… O que é importante saber é onde aplicar esses
golpes. Existem zonas “verdes”(permitido), “amarelas”(permitido com atenção) e
“vermelhas” (proibido) de spanking por todo o nosso corpo. A parte inferior das
costas, onde se localizam os rins, é uma zona vermelha. Um golpe mais forte nessa
região pode provocar rompimento de estruturas renais que podem causar falência do
órgão, levando, ao longo do tempo, o bottom à morte. A coluna vertebral, por seu
grande risco de lesões que podem levar à paralisia, também é uma zona vermelha. A
região do pescoço, pelos mesmo motivos relatados no tópico sobre asfixia, e
articulações dos braços e pernas, pela presença de estruturas venosas profundas
nesses locais, são zonas de impacto proibido.
Lembrem-se que em uma prática com um chicote longo devemos proteger as áreas
vermelhas do corpo do bottom para evitar lesões, pois as chicotadas neste caso
escapam do controle do TOP, por mais destreza que ele possua. Proteja a área dos rins
e mantenha o rosto do bottom em uma posição que uma chicotada errada não a
acerte. O mesmo vale para as outras áreas vermelhas.
As zonas amarelas, compreendem aquelas que a força deve ser moderada. Seios,
região superior dos pés e mãos, e porção superior do tórax, merecem atenção, porém,
não são zonas proibidas. “E em que lugar tá liberado? Onde é que finalmente acontece
a mágica do spanking?” Nas nádegas (nada mais gostoso que bater na bunda, certo?),
coxas e panturrilhas, locais com mais massa muscular e pouco vascularizados.
Bom, acredito ter abordado as questões principais de segurança relativas às práticas
mais usuais dentro do BDSM. Ressalto, mais uma vez, a importância do relato do
bottom sobre quaisquer doenças e condições que mereçam atenção especial. Negar
essas informações, além de prejudiciais à sua vida, podem causar sérias implicações,
até mesmo criminais ao seu TOP. Uma relação é constituída de troca e de confiança, e
não seria diferente aqui.
Espero ter contribuído para sanar algumas dúvidas. Saudações a todos e boas práticas!
Parabéns pelas dicas e pelo blog. Tenho iniciado após 9 anos de relacionamento uma verdadeira relação D/s e isso tem sido muito enriquecedor para nós e digo até que encontrei minha vocação na vida aos 40 anos e como estamos expandindo as praticas após muito dialogo sempre é bom saber como fazer e fazer com segurança. Ps. Percebo que ultimamente encontramos infelizmente poucos blogs que falam sobre o tema FEMDOM e BDSM e a maioria é de postagens antigas e ficam desatualizados. Não sei o motivo disso.
ResponderExcluirObrigada pelo retorno e pelas palavras tão gentis. E me desculpe a demora em responder... Estava envolvida com diversos problemas pessoais que me impediram temporariamente de me dedicar mais ao meu blog. Porém, estou de volta, atualizando sempre que possível. Saudações.
ExcluirE no caso de o bottom ter algum distúrbio mental, a cena ainda poderia ser feita ?
ResponderExcluirDepende de vários fatores. Depende do tipo de distúrbio, do bottom estar ou não em crise, de estar medicado e com as oscilações controladas, enfim... muitas coisas podem interferir em poder ou não.
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